Cabotagem de Energia Renovável
A curto prazo, o uso da tecnologia HVDC LCC (Line Commutated Converter) onshore, interligando apenas 2 pontos a distâncias quase intercontinentais, parece ser mais econômica que a tecnologia VSC (Voltage Source Converter)
Muitas discussões têm ocorrido sobre as opções de escoamento de excedente de energia renovável entre regiões no mundo. No Brasil, segundo a EPE (www.epe.gov.br), o escoamento do excedente das regiões Norte e Nordeste (N/NE) para o Sul e Sudeste (S/SE) será realizado por 2 bipolos de ±800 kV em HVDC (High-Voltage Direct Current ou Corrente Contínua em Alta Tensão) com linhas aéreas (onshore) de longa distância (aproximadamente 1500km em HVDC, e R$ 18,5 bilhões em novas instalações de Rede Básica para o ano de 2028), complementado pela exportação de H2 (hidrogênio colorido) para a União Europeia, via marítima (offshore). Só no N/NE já existem 42 projetos de produção de H2 verde com modelos de negócios focados em hubs e portos industriais favoráveis à exportação (fonte: www.pv-magazine-brasil.com), ou futuramente para a internalização via rotas fluviais ou gasodutos. Enquanto isso a Ilha de Fernando de Noronha (IFE) no NE, nossa joia da coroa no oceano Atlântico, continua sendo suprida de eletricidade por geração a diesel, com elevados riscos ambientais locais e de logística de transporte, sem um porto adequado, produzindo uma das maiores emissões per capita de CO2 do mundo. Restrições ambientais dificultam a instalação de qualquer tipo de geração renovável em escala que tornem a ilha autossuficiente, sejam elas eólicas, solares, ou mesmo de armazenamento, onshore, offshore ou underground. Tudo isto em um quadro de aumento significativo de consumo e déficit projetado para os anos de 2023 a 2027 (segundo a NT-EPE-DEE 102/2022), incluindo a eletrificação de toda a frota de veículos em andamento. Qualquer estudo estratégico da situação atual evidenciaria os riscos existentes segundo os critérios vigentes de licenciamento ambiental. Esta situação é no mínimo vexatória para nosso país, particularmente em uma região com excedente de energia renovável crescente. A solução mais viável, mantidas estas restrições, e preservando nossa joia ambiental, seria a adoção de um link DC (corrente contínua) submarino do Rio Grande do Norte (RN) ou Pernambuco (PE) para a Ilha, como adotado em várias ilhas na Corea do Sul (Ex.: Ilha de Jeju), várias no Japão e Mar do Norte, entre outros. ALTERNATIVAS Uma alternativa aos links DC onshore planejados do N/NE para o S/SE seria o intercâmbio via HVDC offshore entre o N/NE (estados do MA, CE, RN, PE e BA por exemplo), e o S/SE (estados do RJ, SP, RS por exemplo), com estações conversoras nos portos industriais correspondentes (ITAQUI, PECEM, CABEDELO, SUAPE, e ARATU por exemplo), interligados aos demais portos industriais do S/SE (RIO DE JANEIRO, SANTOS, até o PORTO DO RIO GRANDE no RS), onde seriam instaladas as estações conversoras onshore. Isto evitaria o custo da conversão offshore, considerada a maior parcela do custo da tecnologia HVDC marítima, equalizando os benefícios dos excedentes energéticos entre as regiões do país. Adicionalmente, a passagem do link HVDC por uma estação conversora na IFE solucionaria definitivamente o problema energético da ilha, dentro de um cenário de planejamento energético de longo prazo.
A situação de nosso país é vantajosa, considerando nossos numerosos portos industriais em toda a costa, com excelentes infraestruturas e locais para estações conversoras, integração com outros modais de transporte, e extensa costa navegável, a exemplo do que vem ocorrendo nos países do Mar do Norte (Reino Unido, Espanha, Alemanha e países Nórdicos por exemplo), cujas restrições ambientais impedem a construção de novos corredores onshore. As rotas de cabotagem do Mapa de Portos do Brasil (figura a seguir, adaptada do Ministério da Infraestrutura) sugerem naturalmente um possível cenário futuro para a cabotagem de energia elétrica via transmissão subaquática, marítima e fluvial, em HVDC, com estações conversoras nas regiões portuárias. Saliente-se que o Brasil tem mais de 8.500km de costa navegável e, incluindo o Rio Amazonas, este número sobe para 10.000km, número imbatível no mundo, com mais de 37 portos industriais marítimos de grande porte, além de extensa rede hidroviária composta por rios navegáveis em diversas regiões do país, do Rio Amazonas na Região Norte ao Rio Grande na Região Sul. Esta opção parece atrativa também para a transmissão para regiões do interior com cabos subaquáticos nos rios navegáveis, levando (ou trazendo) a energia de e para o interior do país, em particular na região amazônica, com corredores naturais para interiorização dos benefícios dos excedentes energéticos nas regiões mais carentes. Não foi por acaso que o transporte via cabotagem superou o transporte terrestre e aéreo, inclusive nestas regiões, por interferir menos no meio ambiente, com pouca emissão de gases de efeito estufa, e reduzida manutenção e custos quando comparado às opções terrestre e aérea. ANÁLISE Após consultar alguns fabricantes de cabos subaquáticos, diversas publicações e especialistas do CIGRE e IEEE, no Brasil e no exterior, não foi possível localizar um estudo comparativo econômico definitivo entre estas alternativas. Cada caso é um caso, foi a resposta mais frequente, exigindo assim uma análise detalhada. Para complementar a pesquisa, foi feita a seguinte indagação ao ChatGPT, a nova “estrela” da tecnologia de Inteligência Artificial da Internet: Quando HVDC offshore é preferível a onshore? A resposta do ChatGPT foi literalmente a seguinte, em itálico: “A escolha entre HVDC offshore (submarino) e HVDC onshore (em terra) depende de várias considerações e requisitos específicos do projeto. O HVDC offshore é geralmente preferível em certas situações, como: Distância de transmissão: O HVDC offshore é frequentemente usado em projetos de longa distância, onde a transmissão em corrente contínua é mais eficiente em termos de perdas de transmissão em comparação com a transmissão em corrente alternada (CA). A transmissão em longas distâncias através do mar pode se beneficiar da menor perda de energia associada ao HVDC, o que o torna uma opção preferível. Obstáculos geográficos e restrições de direito de passagem: Em algumas regiões, a topografia e os obstáculos geográficos, como montanhas, rios ou áreas densamente povoadas, podem dificultar ou encarecer a instalação de linhas de transmissão em terra. Nesses casos, o HVDC offshore pode ser preferível, pois permite contornar esses obstáculos e evitar restrições de direito de passagem. Impacto ambiental e visual: O HVDC offshore pode ser uma opção mais atrativa do ponto de vista ambiental e visual. Ao levar a transmissão para o mar, os impactos ambientais em áreas terrestres sensíveis podem ser reduzidos. Além disso, as infraestruturas de transmissão em terra, como torres e linhas de alta tensão, podem ser evitadas, resultando em um menor impacto visual na paisagem.
Energia eólica offshore: O HVDC offshore é frequentemente usado para conectar parques eólicos offshore à rede elétrica. Devido à localização dos parques eólicos no mar, o HVDC submarino é a solução preferida para transmitir a energia gerada de forma eficiente e confiável até a costa. No entanto, é importante ressaltar que cada projeto tem suas características únicas e requer uma análise detalhada para determinar a opção mais adequada. Considerações como custo, tecnologia disponível, requisitos de conexão à rede elétrica existente e regulamentações locais também desempenham um papel na escolha entre HVDC offshore e HVDC onshore.” CONCLUSÕES Como toda resposta das ferramentas atuais de IA, esta também precisa ser comprovada por estudos de planejamento a longo prazo. Mas, de certo modo, contribuiu para aumentar a preocupação sobre nosso futuro energético.
A curto prazo, o uso da tecnologia HVDC LCC (Line Commutated Converter) onshore, interligando apenas 2 pontos a distâncias quase intercontinentais, parece ser mais econômica que a tecnologia VSC (Voltage Source Converter). Mas esta última permite a conexão de múltiplos pontos com maior flexibilidade, transmissão bidirecional de potência (com reversão da corrente de transmissão DC), controle independentemente de magnitude e frequência da tensão de saída, bem como a capacidade de fornecer serviços ancilares, como controle de reativos e conexão entre redes fracas ou até passivas, sendo por isto a tecnologia preferida para a expansão das fontes eólicas offshore, vista como a fronteira final da expansão energética mundial. Mesmo sendo mais cara que a tecnologia convencional, conclui-se que a transmissão offshore de cabos enterrados (underground) provoca pouco ou quase nenhum impacto ambiental, nem visual, não interfere nos peixes, baleias, golfinhos e animais migratórios, não é atingida pelo arraste de âncoras de barcos e navios, não é impactada por ondas ou correntes marítimas, podendo ser implantada de forma robotizada, sem maiores riscos humanos, praticamente sem problemas fundiários, e sem risco de derramamento de óleo e sem outros impactos ambientais. Adicionalmente, a possibilidade de transmissão bidirecional flexível entre vários estados do Brasil (com fusos horários entre excesso e escassez de energia), justificaria a elaboração de um estudo econômico estratégico destas opções, ou até mesmo um projeto estratégico de pesquisa, para implantação gradativa, aproveitando nossa longa tradição de transporte de containers e derivados de petróleo por cabotagem, adaptáveis conceitualmente à energia elétrica, com uma visão de planejamento e de preservação ambiental de longo prazo para o nosso país.
Fonte: Canal Energia / Iony Siqueira, Pedro Melo, Roberto Gomes, Leonardo Lins, Sérgio Balaban e José Altino